Tinha muito tempo que não via Amanda! Na verdade, desde que se despediram naquele domingo, ainda em setembro, nunca mais tinham se visto. Joanna tinha ficado de ligar para ela para marcar alguma coisa, mas o número de telefone acabou se perdendo de alguma forma e na verdade ela nunca se interessou muito em procurar a garota.
Não que estivesse sendo ruim reencontrá-la. Um pouco constrangedor talvez, mas isso foi superado logo. Ela não parecia guardar mágoas pelo seu sumiço, o que era bom, assim Joanna não precisava ficar fingindo que sentia muito e inventando várias desculpas para não ter ligado.
— Você tem que ir em Doveport um dia, sério, tem um bar muito maneiro no centro. Eles pedem identidade, mas é bem tranquilo, eles nem olham muito. Mas você vai amar, sério!
— Ooh, parece divertido. Vou tentar marcar com as meninas! E tomar cuidado para não ser expulsa de Riverside por estar indo me divertir com o inimigo!
— Deixa de bobagem! — disse Amanda, depois de uma gargalhada — Isso só vale para os esportistas, ninguém mais liga para essas coisas.
Oh, mas havia alguém que ligava bastante. Doveport era o principal adversário de Riverside no lacrosse. Sabia que Cherry ligava muito para aquela rivalidade. E sabia que o pessoal de Doveport odiava bastante Cherry por ter vencido o time deles três anos consecutivos.
— Mas então, você vai ficar aí parada segurando essa garrafa vazia ou vai me convidar para beber alguma coisa?
Em outros tempos Joanna com certeza teria interpretado bem aquele sinal para começar a dar em cima da garota. No momento tudo o que ela conseguiu fazer foi crispar os lábios e ficar um instante olhando para ela, tentando arrumar uma saída. Para sua sorte, nem precisou pensar em uma desculpa.
— Ei! Joanna. Oi. Desculpa interromper vocês. — era Mitsuha que chegava ali bem esbaforida — Você viu a Cherry passar por aqui?
— A Cherry? — perguntou Joanna, com um semblante preocupado — Não. Eu não a vi. O que aconteceu?
— Ela passou correndo por mim, sem falar nada. Eu perguntei pro Bel o que houve, mas ele disse que ela só saiu correndo de perto dele, sem explicação nenhuma! E agora eu não sei onde ela está.
— Calma. Fica calma. A gente já vai encontrar ela. — disse Joanna, virando-se na direção de Amanda, entregando a garrafa de cerveja vazia para ela — Segura pra mim? E desculpa, sério, a gente conversa mais depois, tá?
E sem esperar a resposta da garota, foi afastando-se para procurar Cherry.
O grande problema era que a área era enorme. Não bastasse a própria casa ser grande, o terreno ao redor do lago era enorme e ainda havia a região da floresta que cercava o local. E até onde ela sabia, Cherry poderia estar em qualquer um desses lugares.
Se perguntava o que tinha acontecido para ela ter saído dessa forma. Bellamy tinha dito alguma coisa que a ofendeu? Ou feito alguma coisa contra ela? Seja lá o que fosse, a vontade de Joanna era subir e dar um soco no rosto daquele engomadinho, mas seu foco no momento era encontrar Cherry.
Perguntou a quase todo mundo que pôde se eles tinham visto Cherry. Alguns olhavam Joanna de cima a baixo com nojo, mas ela não estava nem aí. Outros apenas diziam que não tinham visto a ruiva por ali. Mais alguns diziam que ela tinha ido na direção onde os carros estavam estacionados. Foi para lá que Joanna seguiu, na esperança de encontra-la.
— Ah...ótimo.
O início da chuva foi acompanhado por alguns gritinhos vindos da festa, a maioria de comemoração, mas dava para distinguir alguns gritinhos de pânico, provavelmente preocupados em estragar o look. Para piorar a situação, quando chegou onde estavam os carros, não tinha nenhum sinal de Cherry.
— Paris! Paris! CHERRY!
Gritava enquanto andava por entre os carros, tentando se fazer ouvir, mas além de tudo agora tinha que competir com o som da chuva que ia engrossando. Estava pensando em dar a volta e procurar em outro lugar, quando avistou uma figura ao longe descendo a estrada de terra sozinha.
— Paris??!
Sem resposta. Mas só podia ser Cherry. Se não fosse, só estaria perdendo tempo, mas tinha que conferir.
À medida que se aproximava e que seus olhos se acostumavam com a escuridão, ela conseguia distinguir bem os cabelos ruivos de Cherry, mesmo que a chuva agora fosse tornando difícil ver qualquer coisa. E para piorar, Cherry ia apressando o passo, ficando cada vez mais longe de si.
— Paris...Paris! Espera!
Ela já estava bem longe de onde Joanna estava. Provavelmente já tinha cruzado toda a estrada de terra e estava chegando na rodovia. Apressando o passo, mesmo que a chuva tornasse o caminho enlameado e escorregadio, Joanna finalmente conseguiu alcançar a rodovia e enxergar a silhueta de Cherry andando pelo acostamento, no meio da chuva.
— Paris, porra. Dá pra me esperar?
— Me deixa, eu não quero conversar com você — disse Cherry de forma arredia.
— O que foi que aconteceu? — perguntou Joanna genuinamente confusa e ofegante. Correr com roupa molhada era realmente uma péssima ideia. — Você só saiu da festa sem falar com ninguém!
— É porque eu não queria falar com ninguém. Agora me deixa, volta para sua namoradinha... — Cherry continuou andando, os braços cruzados contra o peito, tanto por estar irritada quanto por tentar se esquentar.
Joanna ficou um instante parada, olhando para as costas da garota. Sua cabeça funcionava quase como uma máquina com defeito nesse momento, com as engrenagens girando tão lentamente que era possível ver o movimento. Quando a ficha finalmente caiu, ela soltou um "ah" de compreensão, voltando a andar até Cherry.
— Ela não é minha namorada. Eu nem sabia que ela vinha. Me escuta... — e estendeu a mão para segurar o braço dela. Cherry puxou o braço com força, mas voltou-se para olhar Joanna. Pelos olhos vermelhos, dava para ver que ela esteve chorando, mesmo que agora fosse impossível distinguir o que eram lágrimas e o que era chuva.
— O que? Eu sei qo que você vai me dizer! Que ficar com ela é bem mais fácil, afinal, você não precisa se esconder quando está com ela. Você não precisa mentir para suas amigas para poder sair com elas ou ir numa festa onde ela está! Eu sei, é bem mais fácil, não precisa jogar na minha cara!
— Eu não ia dizer nada disso! Mas já que estamos falando sobre ser mais fácil, eu sei que seria beeeem mais fácil para você ficar com o Principe Ken Truscot. Ele é perfeito, tem dentes perfeitos, cabelo perfeito, é popular, ninguém te julgaria por ficar com ele. Quer falar sobre ser fácil? Ficar com o mauricinho sim é fácil!
— É totalmente diferente! — disse Cherry, claramente irritada.
— Ah é? Por que? Me diz, Paris! — disse Joanna cruzando os braços, tanto para se aquecer um pouco quanto para manter uma pose mais marrenta.
— Porque eu não gosto dele como eu gosto de você, sua idiota! — despejou Cherry, soluçando logo depois e começando a chorar.
Joanna travou ao ouvir isso. Tinha muitos argumentos planejados na sua cabeça que ela tinha criado há poucos minutos, mas naquele momento os argumentos simplesmente tinham sumido. Relaxou a postura, deixando os braços caírem de lado, olhando para Cherry por um instante, sem falar absolutamente nada. O único som que ouviam era o da chuva caindo ao redor delas e, ocasionalmente, um carro ou outro passando por ali.
Ainda sem falar nada, Joanna finalmente começou a se mover. Caminhou na direção da garota e envolveu ela num abraço. Cherry ainda ficou um instante se debatendo, tentando se livrar do abraço, mas no final acabou cedendo. Ficaram por um bom tempo em silêncio, com Joanna abraçando o corpo de Cherry contra o seu, antes que ela finalmente falasse.
— Eu também gosto de você, Paris. Qual é, eu vim de longe pra poder te ajudar a preparar essa festa. Não é porque eu gosto de arrumar festa, com certeza não. É porque foi você quem me pediu.
Cherry manteve-se em silêncio por mais um instante, com a cabeça encostada no ombro de Joanna, ainda sem abraça-la. Aos poucos foi levantando os braços e passando ao redor do corpo dela, puxando a Lambert mais para perto, apertando-a contra si. Cherry estava bem gelada e molhada por conta da chuva, mas isso não incomodou Joanna naquele momento.
— É horrível ter que ficar fingindo. Eu queria poder aproveitar a festa com você. Não apenas como colega ou amiga. — ia dizendo Cherry, a voz abafada por estar com o rosto prensado contra o ombro de Joanna — Quando eu vi você e a Amanda conversando bem animadas lá embaixo, se divertindo tanto, eu percebi que eu queria estar no lugar dela.
— A gente pode, Paris. — disse Joanna num tom sofrido — É só você querer.
— Não é tão fácil assim…
Joanna não rebateu. Sabia que nem tudo era fácil ali. Sair do armário daquela forma, na frente de todo colégio, ainda mais com uma rascal, era um passo que nem todos estavam prontos para dar. Por mais que aquilo remoesse por dentro dela, tentava entender o lado de Cherry. Afastou-se um pouco para poder olhá-la nos olhos, demorando-se bastante neles antes de falar num tom divertido.
— Quer dizer então que você ficou com ciúmes?
— Meu deus, como você é idiota, Lambert. — apesar da repreensão, conseguiu arrancar um sorriso choroso de Cherry.
— Own, você é tão fofa quando está com ciuminhos! Quase um neném! — falava com o intuito de encher o saco dela. Ainda rindo, Cherry afastou as mãos de Joanna enquanto a garota tentava apertar suas bochechas.
— Eu estou começando a me arrepender do que eu disse!
Joanna ainda tentou por um instante apertar as bochechas de Cherry, mas aos poucos foi parando. Estavam sozinhas ali, sem ninguém para vê-las, coladas uma na outra. Mesmo ensopada, Cherry tinha um charme quase hipnotizante. Aproveitando que já estavam próximas, Joanna apenas inclinou-se na direção de Cherry, tendo o beijo rapidamente correspondido pela garota. Mesmo com a chuva e o vento gelado que soprava, Joanna sentiu o calor daquele beijo lhe aquecer. E a verdade é que teria passado muito tempo ali com Cherry, se não fosse um idiota passando com o carro por sobre uma poça de água que se formava, jogando água direto nelas.
— IDIOTAAAAAAAAAAAAA! — gritou Joanna depois de limpar a água do rosto. Apesar de irritada, Cherry acabou rindo da reação da Lambert.
— Vem, vamos voltar para a festa.
E seguiram de mãos dadas ao menos até metade do caminho.
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O caminho de volta não foi nada fácil. A chuva tinha apertado e a terra ia se tornando lama escorregadia. Cherry nem queria imaginar o que ia acontecer com suas roupas se ela caísse numa daquelas poças. Tomando cuidado para não acabar escorregando e terminando cheias de lamas, foram se aproximando da casa.
O mais estranho eram os carros que iam descendo a estrada, um atrás do outro. Quando finalmente conseguiram voltar para a região do lago, só havia a velha caminhonete de Joanna e o conversível do pai de Tristão, além de um Jeep que já estava de partida. Além do mais, havia uma gritaria que pouco a pouco foram conseguindo distinguir as palavras.
—...NÃO TINHA O DIREITO!! VOCÊ É UM GRANDE IDIOTA, EU NÃO QUERO NUNCA MAIS TE VER NA MINHA VIDA! VOCÊ NÃO É MAIS MEU MELHOR AMIGO! VOCÊ NÃO É MAIS NEM MEU AMIGO!
— Jules…
Cherry demorou para entender que Joanna estava falando sobre a irmã dela e por isso demorou para correr atrá da Lambert que corria para o lado de dentro da casa.
A cena do lado de dentro não era nada bonita. A mesa de ping pong onde jogavam beer pong anteriormente estava quebrada no meio, só com três pernas, já que a quarta tinha caído e rolado para longe. Haviam vários copos de plástico no chão, a maioria esmagados e amassados e os cacos de um vaso espatifado contra o piso de madeira, além de alguns móveis fora do lugar. Travis olhava apavorado para a cena do vaso quebrado. Tristan entregava para Sonny um cubo de gelo enrolado em um guardanapo. Só então Cherry notou que havia um corte sobre o olho dele que começava a inchar. De frente para o garoto, Videl e Mildred tentavam consolar Jules que tremia de tanto chorar. Seu rosto estava banhado de lágrimas e seus olhos tão vermelhos pareciam em brasa. Sem nem ver que a irmã tinha voltado, a garota afastou-se das meninas e saiu quase correndo para o andar de cima, batendo alguma porta com força.
— Por favor, não quebrem mais nada na minha casa. — pediu Travis, quase implorando.
— Assim que eu descobrir o que aconteceu, eu volto aqui pra te matar, babaca. — dizia Joanna enquanto passava por Sonny, seguindo na direção da escada — Mas minha irmã é prioridade. Então é melhor esse pescocinho continuar aí quando eu voltar, para poder torcê-lo!
E saiu correndo escada a cima, para procurar a irmã. Ainda confusa, Cherry seguiu na direção de Mitsuha e Cora, que olhavam assustadas para a situação, ambas com uma toalha sobre os ombros.
— Cherry!! Onde você estava?? — perguntou Mitsuha, puxando a amiga para um abraço apertado. — Nós estávamos tão preocupadas!
— Desculpa. Eu só queria dar uma volta por aí. — foi a desculpa mais esfarrapada que podia dar, exatamente por isso mudou logo o assunto — O que aconteceu aqui?
— Não sabemos. — disse Cora, abraçando Cherry bem rapidinho também — Nós subimos para procurar algumas toalhas para o pessoal e quando voltamos a briga já estava rolando.
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Não foi tão difícil achar Jules no final das contas. Era só seguir os soluços e xingamentos constantes. Abriu a porta do quarto com cuidado. Talvez fosse a casa onde os pais de Travis ficassem quando estavam por ali. Tinha uma cama de casal e um guarda-roupa enorme, mas era bem desprovido de objetos individuais, parecendo quase um quarto de hotel. Notou que havia um sutiã no chão e sabia lá no fundo que aquilo não pertencia à mãe de Travis, mas acabou só chutando para o lado e concentrando-se na adolescente de 14 anos jogada no colchão chorando copiosamente.
— Jules? — chamou Joanna, sentando ao seu lado e pondo a mão com cuidado em seu ombro.
— Me deixa em paz. — por que todo mundo tinha decidido falar assim com ela naquela noite? — Eu quero ficar sozinha.
— Você sabe que, como sua irmã, meu trabalho é não te deixar em paz, certo? — perguntou num tom divertido, na tentativa de acalmar ela.
— Eu tô falando sério. — disse Jules com a voz abafada, como se tivesse enfiado o rosto com mais força contra o colchão. Joanna notou pela entonação que ela tinha voltado a chorar.
— Ok então. Eu vou voltar lá para baixo e estrangular aquele idiota. Eu só queria saber o motivo de eu estar fazendo isso, mas não é como se isso fosse assim tão importante. — e já estava se levantando quando Jules se mexeu, virando-se para ficar de frente para Joanna, sentando na cama.
— Espera.
Com cuidado, Joanna voltou a sentar-se na cama. Não pressionou a irmã. Deixou que ela secasse as lágrimas e ajeitasse o cabelo que estava bem bagunçado no momento. Demorou alguns fungados até que Jules começasse a falar.
— Por que todos os meninos são uns idiotas?
— Eles foram programados para ser assim. Mas o que foi que o idiota fez?
— Foi um idiota, isso não é o bastante?? — bufou Jules. E Joanna ficou em silêncio, porque sabia que no fundo, ela queria poder desabafar. No caso, falar mal dele — Ele passou essa porcaria de festa TODA se exibindo para cada garota que passava na frente dele. Sério, TODA garota. Eu desisti de tentar conversar com ele. E aí quando eu tava conversando com um garoto da sua turma, super gentil inclusive, ele aparece querendo brigar com o garoto? ARGH! Que vergonha!
— Ei, ei. Você não tem que ter vergonha de nada. Ele é que foi babaca, Jules. — disse Joanna, se arrastando mais para perto da irmã, pondo a mão em seu ombro — Ele não tinha o direito de fazer isso. Mesmo que ele goste de você, não significa que ele pode fazer isso.
— Ele não gosta de mim. — disse Jules num tom amuado.
— Oh Jules, claro que ele gosta de você. De um jeito...bem problemático, mas ainda assim ele gosta. — disse Joanna, passando o braço pelo ombro da irmã, aninhando ela mais perto — E eu sei que você gosta dele também.
— Não mais. — disse Jules de forma definitiva — Eu não quero nunca mais olhar na cara dele.
Joanna não tentou discutir sobre aquilo. Por mais que soubesse que na idade de Jules “nunca mais” pudesse significar “um mês” ou até menos, não quis irritar a irmã mais do que ela já estava. Ficou um instante em silêncio, apenas afagando os cabelos dela antes de falar num tom afável.
— Quer ir pra casa? O drama do seu amigo idiota acabou com a festa mesmo.
— Ele não é mais meu amigo. — resmungou Jules, afastando um pouco de Joanna e limpando as lágrimas e fungando de levinho — Você acha que a gente consegue?
A verdade é que com a chave que caía lá fora, era difícil dizer que sua caminhonete iria conseguir sobreviver até em casa. Além dos pneus não serem novos, tinha um medo sincero dela dar problema no meio daquela chuva toda. Mas se Jules quisesse ir embora, ela não iria força-la a ficar ali.
— Se você achar melhor ir embora, a gente dá um jeito.
Jules fungou mais um pouco e ajeitou a postura. Parecia que ia concordar sobre irem embora, mas no momento em que ela abriu a boca para responder, as luzes ao redor dela se apagaram. E Joanna tinha a ligeira impressão de que não tinha sido apenas ali no quarto.
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