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Capítulo 16

— Parece que é geral. — dizia Travis enquanto desligava o telefone. Tinha ligado para a companhia elétrica depois de verificarem os disjuntores da casa.

— Deu pra notar. — respondeu Bekai, de joelhos no sofá, olhando para a janela. As luzes da cidade, que dava para ver dali, estavam completamente apagadas. A chuva continuava castigando o lugar.

— Deram alguma previsão de retorno? — perguntou Mitsuha, carregando alguns cobertores ali para o meio da sala. Usavam as luzes dos celulares e algumas lanternas à pilha para iluminar o ambiente.

— Não. — disse Travis, com um bico triste. Deixou o corpo cair pesadamente sobre o sofá, parecendo derrotado — De todas as formas desastrosas que eu pensei que essa festa pudesse acabar, essa decididamente não era uma delas.

— Aaaah, qual é T. — disse Joanna, enquanto arrastava um enorme cooler para o meio da sala — Sua festa não foi um fracasso. Aliás… — parou de falar um instante apenas para largar o cooler, secando o suor da testa antes de completar — quem disse que a festa precisa ter terminado?

Todos os presentes se olharam. Não pareciam muito no clima pra festa no momento. Cherry tinha que concordar. Se não pela chuva, com certeza a ceninha patética de Sonny tinha estragado todo o clima.

— Eu concordo com a Jo.

Cherry não conseguiu esconder o desagrado em seu olhar ao ver quem tinha falado.

Pouco depois da luz ter acabado, Amanda apareceu novamente na casa, toda molhada perguntando o que tinha acontecido. Não apenas ela, mas Bellamy e Donnie também apareceram, sem parecer perceber o que tinha rolado.

— Quer dizer… — continuou Amanda enquanto abaixava para remexer na água salpicada de pedaços de gelo onde flutuavam algumas garrafas de cerveja e refrigerante — ainda tem bebida e eu tenho quase certeza de que deve ter sobrado comida. Parece uma festa para mim!

— Não acho que tenha mais clima para festa. — talvez até tivesse. Cherry só estava discordando por ter sido Amanda quem sugeriu. Percebeu o olhar de Joanna e tratou de não olhar para ela novamente.

— Não querendo concordar com a Tomatinho aqui… — disse Videl, pegando para si uma garrafa de cerveja, abrindo com ajuda da camisa e dando um gole demorado antes de usar a boca da garrafa para apontar para Amanda — mas eu prefiro manjar uma festinha do que ficar nesse clima de enterro.

Aos poucos, mesmo que meio a contragosto, todos foram considerando. Mesmo Cherry, que se recusava a concordar com a garota de Doveport, tinha que admitir que ficar no tédio no escuro até a luz voltar seria horrível.

— Mas o que a gente poderia fazer? — perguntou Coraline, olhando curiosa para as rascals.

— Ah, vocês nunca fizeram drinking games? — perguntou Mildred, caçando uma garrafa para si. Fez uma careta ao ter que enfiar a mão no fundo da água gelada para conseguir uma garrafa, mas deixou-a cair novamente quando os outros balançaram a cabeça negativamente — Não me zoa.

— Meninas, esse pessoal popular tá claramente precisando de um intensivão rascal de como se divertir numa festa. — disse Joanna num tom bem humorado, olhando das amigas para os outros.

— Não sei porquê, mas estou com um pouco de medo. — disse Cherry com um riso que misturava um pouco do nervosismo e um tiquinho de brincadeira.

— Oh, não se preocupem, não tem com quem se preocupar. — disse Mildred, finalmente abrindo sua garrafa de cerveja e dando um gole demorado — Ninguém jamais se machucou nesses jogos.

— Muito. — completou Videl, com um ar travesso.

— Mas afinal, que jogo é esse? — perguntou Tristan, finalmente desligando o telefone. Estivera falando com seus pais na cidade, para informar que estava tudo bem. Cherry tinha um pouco de pena do amigo. Se ela tinha pais controladores, os de Tristan eram muito piores.

— O jogo se chama… — e Joanna fez uma pausa dramática enquanto enfiava a mão na água gelada para tirar uma garrafa de vodka de dentro — Eu nunca disse verdade ou consequência no paraíso.

Cherry piscou os olhos, confusa, e ficou feliz em não ser a única. Tirando as Rascals, todos pareciam confusos com o nome do jogo. Até mesmo Bekai que era uma rascal recente não parecia entender do que se tratava. Jules, porém, bufou demoradamente, revirando os olhos.

— Ah não, Joanna. Esse jogo idiota de novo não. Da última vez que você jogou, eu tive que te tirar completamente bêbada dentro do chafariz da cidade.

— Era um desafio!! — exclamou Joanna, olhando escandalizada para a irmã — Além do mais, pegaremos leve dessa vez.

— Confesso que ainda estou um pouco confuso em como isso vai funcionar… — disse Bellamy, parecendo temeroso.

— É simples, bebê — disse Videl, pegando vários copinhos de shot, parando várias vezes para contar e recontar quantas pessoas tinham ali — juntamos todos os melhores jogos de festa em um único jogo.

— Funciona assim… — disse Mildred, terminando de beber sua cerveja num gole só e pondo a garrafa no chão — eu giro a garrafa. Em quem ela parar, eu pergunto verdade ou desafio. Se a pessoa escolher verdade, eu só posso perguntar coisas tipo “é verdade que você já correu pelada pelo bairro?”. Quem já fez isso… — e pegou um copo recém enchido por Videl, bebendo tudo de uma vez só — tem que beber…

— Aquela noite foi genial. — riu Joanna, mas logo parou ao perceber o olhar que Mildred lançou ao ser interrompida.

— ...mas caso a pessoa escolha “desafio”, funciona como no “verdade ou desafio” normal. Mas caso a pessoa seja desafiada três vezes, o terceiro desafio tem que ser escolher uma pessoa para ficar sete minutos com ela trancada dentro de um armário.

— Todo mundo entendeu? — perguntou Fani, ajudando Videl a distribuir os copinhos de shot para os outros.

Murmúrios de entendimento meio incertos soaram entre os demais. Pareciam meio temerosos sobre se deviam ou não participar daquilo, mas a animação das rascals foi fazendo com que eles entrassem no jogo. Sentindo-se meio nervosa, Cherry aproveitou um momento em que Joanna foi até a cozinha pegar alguns petiscos para levar para a sala, tendo certeza de que não tinha ninguém por perto para poder falar com ela.

— Tem certeza disso? — perguntou Cherry, olhando por cima do ombro. Mitsuha sentava ao lado de Amanda, as duas conversando animadamente.

— Do que? — perguntou Joanna, assobiando baixinho o tema de abertura de The O.C. enquanto ia separando em tigelas tudo o que havia de bobagem na cozinha.

— Esse jogo. Ele pode ser meio...sabe…

— O que? — Joanna olhou curiosa para Cherry, com um ar um pouco confuso.

— Perigoso! E se eles perguntarem alguma coisa?

— Ah. É meio que o objetivo do jogo. — Joanna deu de ombros, voltando a assobiar.

— Você entendeu. — disse Cherry, segurando o braço dela de leve para fazer ela olhar em sua direção.

— Relaxa, Paris. É só um jogo. — disse Joanna, olhando na direção da sala onde Travis e Sonny estavam ocupados trazendo o máximo de luz possível para perto deles — Se perguntarem alguma coisa, é só você mentir. Só nós duas sabemos a verdade, não é?

E piscando um olho na direção de Cherry, aproveitou que não tinha ninguém olhando para roubar um selinho dela. Ainda meio assustada, Cherry afastou-se dando um passo para trás, olhando Joanna como se ela fosse louca. A Lambert revirou os olhos e murmurou um “tá bem” antes de pegar o máximo de tigelas que podia.

— Ao menos me ajuda? Só tenho duas mãos!

Cherry queria mesmo lidar com aquilo da mesma forma tranquila que Joanna, mas não era tão fácil assim. Tentando não ficar tão nervosa, pagou algumas tigelas sobre o balcão, seguindo de volta para a sala ao lado de Joanna. Ela tinha razão. Era só um jogo, não é?


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O jogo começou relativamente tranquilo. Para Joanna e as outras rascals era meio como jogar com um bando de café-com-leite. O pessoal popular tinha uma certa dificuldade em se soltar e elas maneiravam um pouco nas perguntas para não assustar ninguém. Ainda assim, na sétima rodada quase que apenas elas tinham bebido. E, principalmente, ninguém tinha pedido desafio ainda.

O primeiro ponto de tensão foi quando Videl perguntou para Mitsuha.

— É verdade que você já se apaixonou pelo seu melhor amigo?

Ninguém além de Donnie e Amanda beberam, mas Joanna nem reparou nisso. Seus olhos correram para Jules que ignorava o copo à sua frente, olhando para o lado como se a chuva fosse muito mais interessante do que o jogo. Notou que Sonny fez menção em pegar o copo, mas recolheu a mão rapidamente ao notar que Jules não fez o mesmo.

O primeiro desafio foi pedido por Tristan. Com um sorrisinho sacana, Mildred pediu para que ele tirasse uma peça de roupa ao som de Let’s get it on. Apesar de constrangido, ele tirou a gravata com muita desenvoltura, o que gerou uma onda de gritinhos e aplausos. A partir daí todos começaram a se sentir um pouco mais confiantes para pedir desafios. Joanna só não sabia se impulsionados por Tristan ou pelo álcool.

O segundo ponto de tensão foi quando Mitsuha girou a garrafa e ela apontou para Cherry.

— Cherry, verdade ou desafio?

— Verdade!

— Hmmm...é verdade que você e o Bellamy se beijaram?

Joanna sentiu Cherry lhe procurar com o olhar, mas preferiu olhar para o lado, fixando o olhar em Donnie que girava o copo de vodka entre as mãos. Teve a ilusão de que o garoto iria tomar um gole, mas ele logo colocou o copo de volta no chão, no momento em que Cherry respondia depois de beber seu shot de uma vez só.

— Uma vez.

Mitsuha e Cora tiveram um acesso de gritinhos e risinhos e pareceram que iam puxar Cherry dali para que ela desse o relato completo, mas a ruiva tratou de adiantar-se até a garrafa e girá-la, parando com o gargalo virado para Amanda, que escolheu desafio.

— Uuuuuh...segundo desafio, hein! — disse Mildred, num tom provocador — Na próxima vai pro armário.

Uma série de risinhos ecoou pela sala enquanto Cherry pensava no que desafiá-la. Um sorriso de canto se abriu quando chegou a uma conclusão óbvia sobre o que desafiar alguém de Doveport.

— Eu te desafio a cantar o hino da nossa escola.

Sob muito protesto e com a ajuda de um celular, Amanda cantou de muita má vontade o hino da escolha de Riverside. Amuada, tratou de girar a garrafa novamente para dar prosseguimento ao jogo.

Já estavam bem altos quando a primeira ida ao armário aconteceu. Videl escolheu Tristan para irem para o armário. Enquanto eles ficavam sete minutos longe da vista dos outros, decidiram continuar o jogo e só pararam quando a porta do armário se abriu. Ambos saíram com as roupas amarrotadas e cara de culpados, arrancando risos de todos. Pouco depois Videl voltou ao armário, dessa vez acompanhada de Mildred. Joanna não sabia o que as duas estavam fazendo ali dentro, mas faziam questão de ser bem barulhentas, o que levava a crer que só estavam tirando uma com a cara deles.

— Ui...muito bom, sabe? — disse Mildred, voltando para o círculo enquanto Bekai girava a garrafa.

— Joanna, verdade ou desafio?

— Manda um desafio, gata. — disse Joanna enquanto bebia um shot de vodka, mesmo sem ninguém ter perguntado nada ainda.

— Eu te desafio a beijar alguém dessa sala.

Seus olhos rapidamente correram até Cherry. Era a desculpa perfeita. Poderia beijá-la na frente de todo mundo e seria apenas por causa do jogo. Não teria nada de mais. Mildred já tinha beijado Fani e Videl, Videl tinha beijado Tristan também, até mesmo Donnie e Mitsuha tinham dado um selinho. Mas algo nos olhos de Cherry disseram para Joanna que seria uma péssima ideia. Servindo-se de mais uma dose de vodka, bebeu tudo de uma vez só, levantando-se meio tonta.

— Alguém tem que ir pegar mais vodka! — anunciou enquanto andava meio trôpega na direção de Mildred, ajoelhando na frente da amiga e dando um selinho demorado nela, de forma bem escandalosa — E com isso eu oficialmente beijei dois terços das rascals. Fani, você não me escapa!

Com uma risada alta, todos voltaram ao jogo. Enquanto girava a garrafa, seus olhos encontraram os de Cherry mais uma vez. A garota parecia aliviada de alguma forma e até murmurou um “obrigada” apenas movendo os lábios.

— Bellamy! — disse Joanna assim que a garrafa parou — Verdade ou desafio?

— Estou me sentindo corajoso. Desafio!

Seus olhos estreitaram um pouco na direção do garoto. Não estava muito feliz com ele. Parte por ele carregar aquele ar superior o tempo todo, como se ele fosse melhor do que ela. Mas obviamente o principal era o ciúme que tinha sentido ao saber que ele e Cherry tinham se beijado. Abria a boca para desafiá-lo à algo muito ruim, quando alguém lembrou de um detalhe.

— Uuuh. Terceiro desafio, hein? — provocou Travis, dando uma risada alta.

— Pode escolher quem você vai levar pro armário, bonitão. — disse Videl, se esticando deitada no chão, tentando alcançar o cooler de bebida sem precisar sair do lugar.

— É claro que ele vai escolher a Cher! — disse Mitsuha entre risinhos, acompanhada por Cora.

Joanna travou um pouco no mesmo lugar. Seus olhos voltaram para Cherry que parecia igualmente apavorada. Mordendo o lábio nervosamente, a Lambert recuou e voltou a sentar no chão, meio encolhida. Seus olhos permaneceram fixos em seus sapatos quando Bellamy levantou-se de onde estava e caminhou na direção de Cherry, estendendo a mão para ela.

— Vamos?

Um pequeno “uuuuh” soou enquanto Cherry levantava. Joanna não olhou em momento algum para os dois. Até sentiu que Cherry olhava para si, mas não levantou o rosto. Manteve o olhar duro para frente, sentindo um calor incômodo no peito que só aumentou quando a porta do armário se fechou. Levantou-se de um pulo, pegando a garrafa de vodka pela metade e seguindo na direção da escada.

— Vou pegar um ar puro, podem continuar sem mim.

— Mas tá chovendo! — alertou Travis enquanto a garota ia subindo.

Ignorando o aviso, Joanna seguiu o caminho. Não queria mesmo pegar um ar. Só queria mesmo ficar longe. Não conseguia não sentir ciúmes. E para falar a verdade era um sentimento novo. Nunca tinha gostado de alguém naquele nível. Sempre achou que seria um espírito livre, que apenas iria curtir a vida como lhe desse na telha. Gostar de Cherry da forma como estava gostando não estava em seus planos.

Seus passos acabaram lhe levando na direção do terraço, mas como Travis bem havia lembrado, estava chovendo. Murmurando um palavrão, deu um soquinho na porta antes encostar as costas nela e escorregar até o chão, a garrafa de vodka presa entre suas pernas.

— Sabe, eu já te vi muito acabada, mas nesse nível… — a voz de Videl chamou sua atenção enquanto a garota se aproximava para sentar ao seu lado — é a primeira vez.

— Não sei do que você está falando, eu ainda tô inteirona. — disse Joanna num tom brincalhão. Videl deu uma risada curta antes de arrancar a garrafa das pernas da amiga, dando um gole demorado antes de colocar a garrafa de lado.

— Sem mentir pra mim dessa vez, ok? Porque eu já saquei tudo… — disse Videl olhando para frente. Joanna olhou meio curiosa para a amiga, esperando ela concluir — é a Cherry, né? Vocês tão saindo, né? E foi por causa dela que fomos convidadas pra essa festa. Sem mentir, Jo.

A boca de Joanna se abriu, mas nenhum som saiu dela. Fechou e abriu mais algumas vezes, antes de dar-se por vencida. Tentando ganhar tempo para pensar em como falaria aquilo, se esticou por cima de Videl como uma minhoca para pegar a garrafa de vodka, arrancando uma risada da Pyrkagià. Deu um gole demorado na bebida antes de falar.

— É. É ela. Mas ninguém pode saber, ok? — murmurou enquanto colocava a garrafa de volta no chão — Ela não tá pronta pra se assumir.

— Minha boca é um túmulo. — disse Videl fechando um zíper imaginário sobre a boca — Mas você tem certeza de que quer isso? Você tinha que ver sua cara quando saiu lá da sala.

Joanna abriu a boca para responder, mas nesse momento a luz voltou com um flash que a deixou cega por um instante. Ouviu o pessoal lá embaixo comemorando e até olhou para o relógio para saber quanto tempo tinha passado. Apoiando a mão na parede para poder se levantar, colocou-se de pé, pegando a garrafa no chão antes de tomar o caminho de volta para o andar de baixo.

— Vem, acho que ninguém vai querer continuar brincando agora.





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